Após o anúncio do estágio obrigatório de dois anos no SUS (Sistema Único de Saúde),
estudantes de medicina de faculdades em São Paulo e no Pará afirmaram
que já possuem contato com a realidade do sistema público. Para eles, o
real problema da área não é a falta de médicos, mas sim de
infraestrutura.
O aumento da duração dos cursos de medicina em dois anos, a partir de janeiro de 2015, foi anunciado junto com o Programa Mais Médicos, pacote de ações do governo federal para ampliar e descentralizar a oferta de médicos no país. O programa foi criado por medida provisória.
Rodrigo Taniguchi, 24, estudante do último ano do curso de medicina da
USP (Universidade de São Paulo), conta que perto de sua faculdade há um
instituto de oncologia, que majoritariamente atende pelo SUS.
"Trabalhamos nesse ambiente e agora há pouco, em outro estágio, o de
ortopedia, faltava furadeira para ossos e tinham pessoas esperando".
Para ele, a medida do governo não surtirá efeito se não for acompanhada pela melhoria das condições de trabalho, aumento da verba para a saúde e contratação de outros profissionais, como psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e até engenheiros.
"Eu acho que os dois anos a mais podem ser produtivos, mas da forma como estão sendo propostos eu me posiciono contra. Eu sou contra a obrigatoriedade e sou contra não ter uma conversa, contra os médicos arcarem com esse ônus todo sozinhos. Não tem verba, não tem carreira de Estado para médico", afirma Taniguchi.
Estudando na UFPA (Universidade Federal do Pará) há seis anos e há um mês fazendo internato na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Rennan Gabriel, 23, também já está próximo do Sistema Único de Saúde.
"A UFPA trabalha só com serviços que atendem o SUS, como os hospitais universitários João de Barros Barreto e Benita Ferro de Souza", diz. "Quem determina isso é o Ministério da Educação. Não tem como fugir disso. Desde os primeiros semestres, estamos inseridos nas comunidades, fazendo trabalhos pelo SUS", diz Gabriel.
Quando teve aula no módulo de ginecologia e obstetrícia, Rennan lembra que não havia material para fazer coleta do exame preventivo do câncer do colo do útero. "Então, mesmo tendo os melhores profissionais nos dando assistência, precisamos de laboratório", afirma. "Medicina não se faz só com jaleco e estetoscópio na mão. Mas sim com laboratório e com exames mais sofisticados".
O estudante, assim como o colega de curso da USP, é contra o aumento em dois anos. "Eu sou contra porque a gente não tem infraestrutura. Se houvesse, não haveria o problema da falta de profissionais, e não seria preciso aumentar dois anos para tentar suprir compulsoriamente essa falta", diz.
Rennan, por sua vez, conta que vem de uma grade antiga da UFPA, de
2001, que divide em setores básico, técnico e profissionalizante. Desde
2010, já há um novo currículo na universidade.
"Como todas federais, nós temos problemas. Tanto tive lá como aqui em São Paulo, na Unifesp", analisa. "Não é o caso de ter só falta de professores, mas às vezes em alguns exames no hospital universitário faltavam reagentes para exames básicos de controle, de diabetes, de hipotireoidismo, e isso não adianta colocar milhões de endocrinologistas, não vai resolver. É preciso ter o que é necessário para fazer esses exames".
O atraso na formação dos estudantes, que teriam de fazer dois anos trabalhando no SUS, é lembrado pelo professor da Unifesp Agostinho Tavares, 59. "Você tem é que dar uma boa formação, dar residência para todos os alunos que saem da escola, porque hoje nós não temos residência suficiente para todo mundo, e estágios dentro da residência nesses lugares mais remotos, mas com segurança, material, tudo que é necessário", afirma.
Tavares acredita ainda que a qualidade dos cursos de medicina está caindo no país, e que não irá tardar para que hospitais de primeira linha, como Albert Einstein e Sírio-Libanês, façam suas próprias faculdades.
O aumento da duração dos cursos de medicina em dois anos, a partir de janeiro de 2015, foi anunciado junto com o Programa Mais Médicos, pacote de ações do governo federal para ampliar e descentralizar a oferta de médicos no país. O programa foi criado por medida provisória.
MEDIDAS ANUNCIADAS NESTA SEGUNDA
Alunos de medicina terão de trabalhar dois anos no SUS para se formarem |
Os dois anos de treinamento no SUS não eliminarão o internato realizado no quinto e no sexto anos do curso de medicina |
Criação de 3.615 vagas em medicina nas universidades federais até 2017 |
O Programa Mais Médicos oferecerá R$ 10 mil a médicos para que atuem na atenção básica da rede pública de saúde |
Estrangeiros só serão chamados a ocupar as vagas que não tiverem sido preenchidas por brasileiros |
Médicos estrangeiros terão registro temporário para trabalhar no Brasil por período máximo de três anos e nos municípios para os quais forem designados |
Municípios que receberem esses médicos precisarão oferecer moradia e alimentação aos profissionais |
Para ele, a medida do governo não surtirá efeito se não for acompanhada pela melhoria das condições de trabalho, aumento da verba para a saúde e contratação de outros profissionais, como psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e até engenheiros.
"Eu acho que os dois anos a mais podem ser produtivos, mas da forma como estão sendo propostos eu me posiciono contra. Eu sou contra a obrigatoriedade e sou contra não ter uma conversa, contra os médicos arcarem com esse ônus todo sozinhos. Não tem verba, não tem carreira de Estado para médico", afirma Taniguchi.
Estudando na UFPA (Universidade Federal do Pará) há seis anos e há um mês fazendo internato na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Rennan Gabriel, 23, também já está próximo do Sistema Único de Saúde.
"A UFPA trabalha só com serviços que atendem o SUS, como os hospitais universitários João de Barros Barreto e Benita Ferro de Souza", diz. "Quem determina isso é o Ministério da Educação. Não tem como fugir disso. Desde os primeiros semestres, estamos inseridos nas comunidades, fazendo trabalhos pelo SUS", diz Gabriel.
Quando teve aula no módulo de ginecologia e obstetrícia, Rennan lembra que não havia material para fazer coleta do exame preventivo do câncer do colo do útero. "Então, mesmo tendo os melhores profissionais nos dando assistência, precisamos de laboratório", afirma. "Medicina não se faz só com jaleco e estetoscópio na mão. Mas sim com laboratório e com exames mais sofisticados".
O estudante, assim como o colega de curso da USP, é contra o aumento em dois anos. "Eu sou contra porque a gente não tem infraestrutura. Se houvesse, não haveria o problema da falta de profissionais, e não seria preciso aumentar dois anos para tentar suprir compulsoriamente essa falta", diz.
Grade curricular
Em sua grade curricular, Taniguchi teve no primeiro e no terceiro ano matérias de atenção primária à saúde. "Estágio específico nos postos de saúde nós não temos nenhum hoje. Temos algumas coisas de cada especialidade, que são de âmbito geral. Por exemplo, durante o estágio de clínica, tivemos atenção à saúde no sentido de sessão de tabagismo e sessão de etilismo. Em obstetrícia, agora teremos estágio de pré-natal".Leia também
"Como todas federais, nós temos problemas. Tanto tive lá como aqui em São Paulo, na Unifesp", analisa. "Não é o caso de ter só falta de professores, mas às vezes em alguns exames no hospital universitário faltavam reagentes para exames básicos de controle, de diabetes, de hipotireoidismo, e isso não adianta colocar milhões de endocrinologistas, não vai resolver. É preciso ter o que é necessário para fazer esses exames".
O atraso na formação dos estudantes, que teriam de fazer dois anos trabalhando no SUS, é lembrado pelo professor da Unifesp Agostinho Tavares, 59. "Você tem é que dar uma boa formação, dar residência para todos os alunos que saem da escola, porque hoje nós não temos residência suficiente para todo mundo, e estágios dentro da residência nesses lugares mais remotos, mas com segurança, material, tudo que é necessário", afirma.
Tavares acredita ainda que a qualidade dos cursos de medicina está caindo no país, e que não irá tardar para que hospitais de primeira linha, como Albert Einstein e Sírio-Libanês, façam suas próprias faculdades.
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